domingo, 9 de setembro de 2007

Encontros e Desencontros



Um belíssimo filme pode ser feito de mutismos, gestual de humor, e neste caso, à maneira de Tati, de trocas furtivas de olhares, de respingos de conversas, de passos furtivos, enfim de imagens impregnadas de verdades. Encontros e Desencontros, segundo filme de Sofia Coppola, passa por aí, ao buscar um encanto que possa ser encontrado na imperfeição do tempo cotidiano.
Bill e Scarlett se encontram perdidos em Tóquio. Cada qual para lá foi por motivo diferente. O primeiro para fazer um comercial (embora de fato preferisse estar fazendo um filme decente), a segunda, recém formada em filosofia e naturalmente (?) desempregada, para acompanhar o marido que só pensa em trabalho (ou seja, um workaholic). Ambos deslocados no espaço e no tempo, por circunstâncias se encontram e tentam transcender as angústias de uma vida, a tristeza de um tempo e espaço indiferentes.
Sofia Coppola acompanha as andanças de seus personagens, seus silêncios e pausas, enfim, sua gravidade, mas também sua musicalidade contrastante. Há tempos o cinema não lembrava como filmar o nascimento de um sentimento entre as coisas, os objetos, o mundo, de um processo que vai de um gestual de inadaptação a um de extra-adaptação, metaforizada e reinterpretada em cima de um fugidio, daquilo que sempre se desprende, seja para o chão, seja para o ar (um filósofo mesmo fala sobre a palavra que se perde logo que dita, um poeta sobre o tempo que escoa...). Mas não se trata de um filme feito sob o estado da mera desolação, ainda que esta esteja presente, mas sim sob o renascimento que possa haver logo nos interstícios.

Pois os personagens se acham a si próprios somente nestes intervalos, deslocados que normalmente são. Seu sentimento de exílio encontra-se muito além do fato de estarem em solo estranho e a estadia no Japão somente reforça esse estado de coisas, essa impossibilidade de se sentirem sempre "em casa".
Contudo, o sentido passa a ser consumado a duras penas dos entre-lugares para os lugares e dos mesmos lugares para os entre-lugares, em misterioso contato, reconfigurado agora por uma fenomenologia de abertura tanto para a cidade (Tóquio), reabsorvida poeticamente, quanto para uma afetividade cúmplice, plena e singular. A relação se sustenta nessa efêmera vivência(nessa captação da poesia que escoa) em andanças, música e silêncios, embora torne possível uma proto-fábula, responsável mesmo por uma diferenciada dimensão de experiência e de sentimentos, em que os seres mal conseguem entender o que se passa como forma de se reter o fluxo.
Sofia entrega-se de corpo e alma à direção dessa grande obra contemporânea, marcando o espírito dos protagonistas, de Tóquio e do cinema. E ainda finge, por modéstia, que não tem nada a ver com tudo isso. Encontros e Desencontros é a necessidade de viver, achar e se achar, ainda que por segundos, nesse contínuo espaço tênue “em branco” que reside entre os seres e os objetos, tal como quando a protagonista, em sua experiência de iniciação, põe delicadamente uma flor no vaso entre vasos por sugestão de uma japonesa senhora.
Por fim, terminamos por notar a diferença do enfoque da cidade no início da obra (aridez em universo mobilizado e mutista) em relação ao final, em que é tornada cidade-magia discretamente com música e fluxos “em fuga”. Do mais efêmero ao mais eterno, Sofia Coppola, do limbo de Hollywood, devolve alma e coração inteiros ao cinema americano.
Alessandro Coimbra

2 comentários:

Unknown disse...

Pois é, assistindo ao Maria Antonieta, último filme da diretora, ficou claro pra mim algumas coisas desse Encontros e Desencontros...seus personagens normalmente sentem-se aprisionados ao programático do mundo, portanto só conseguem se achar no transitório...e a filmagem da diretora também é isso, uma abertura para uma nova experiência em que as coisas ocorrem primeiramente e espontâneamente para serem filmadas nesse ato.O transitório é o contrário do estanque(que seria o mundo).O mundo é o aprisionamento dos fluxos, das "correntes"(termo do Deleuze)e a vida se opõe a "mundo", vida seria essa captação e absorção desses fluxos que são transitórios justamente´porque não podem ser aprisionados, funcionam sobre o signo das indeterminações, do que é desprogramével, ou seja, dos "sistemas", dos comerciais, do excesso de trabalho, as festas programadas,etc...por isso há no filme tanta melancolia, pois depois voltamos para o mesmo estado de coisas, de maneira que o termo mais adequado que efêmero é o transitório, pois esse caminha de um lado para o outro, ele "encarna" nas coisas em fluxo, a sensibilidade está em saber captá-lo quando ele vem (e normalmente ele surge nos interstícios)e quando se capta vem a magia...já em maria antonieta ela sente necessidade desse tipo de vivência e a permite dentro do ritual mais estrito, ou seja, o mundo dos palácios.Não à toa ela só se sente à vontade nos momentos de discontração, quando troca o tempo programático pelo natural até lendo Rousseau na grama, ou quando experimenta sua vocação de artista, ou mesmo nas festas qunado pode vivenciar o amor de um homem de verdade e não de um que foi escolhido pra ela...

Marcelo Miranda disse...

Willian, meu caro, é o Marcelo Miranda aqui! Cara, que legal achar o blog do núcleo, fiquei muito feliz. Sabe o quanto tenho carinho pelo núcleo e pelo trabalho que vc segue empreendendo esses anos todos. Não fosse a minha saída de JF e eu estaria envolvido, com certeza... Agora, pela net, podemos estreitar os laços. Vocês estão com uma lista interna de emails também? Pode ter ex-membros? hehehe.
Dê notícias, meu email é marcelomirandasilva arroba gmail.com (escrevi por extenso pra evitar spam). Fico na espera, abração!!!