sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A experiência espiritual no cinema (os 5 mais)

Europa 51, de Roberto Rossellini. Além de ser o maior cineasta italiano, o que não é pouco, é o divisor de águas do cinema. Aqui ele realiza sua obra-prima, algo intraduzível em palavras. A personagem passa da burguesia, como busca, ao socialismo e como esse é insuficiente, ela passa à conversão espiritual. Sai do castelo e vai para as casas parcas e quanto mais se enraiza, mais se desvanece, nós a perdemos. O essencial do essencial não se retém no olhar, mas é, ainda sim, experiência, e a maior.

Ordet, de Carl Dreyer. Conhheço pouca coisa de Dreyer, mesmo ele sendo tão admirado e respeitado. Esse filme de imensa experiência espiritual é considerado normalmente seu melhor. Ordet, além do mais, filma um milagre (como ninguém conseguiu fazer). Como traduzir um milagre em palavras? Deixemos de lado os racionalismos, os pragmatismos, etc,...O que é, é! A evidência absoluta do absoluto.

Paraiso Infernal [1939]O Paraíso Infernal, de Howard Hawks. A obra-prima desse cineasta do ocidente e do oriente, também da mocidade, da vida adulta e da velhice, a um só tempo. Do classicismo e da modernidade, o mestre do requinte e da fineza absolutas, Howard Hawks.

Um Corpo que cai, de Alfred Hitchcock. A obra-prima do mestre absoluto Alfred Hitchcock, o gênio da encenação da metafísica cristã.

O Homem que matou o facínora. John Ford, o homem da poesia da simplicidade, dos homens comuns, da instauração do mito fundador de uma nação e também seu relativizador, o pai do cinema americano. Enquanto Hawks é o homem do refinamento absoluto, Ford é o ás da singeleza no cinema.Aqui, ele realiza sua obra-prima absoluta da maturidade. Esse filme questiona a concepção do mito do heroísmo na civilização.

O essencial, essencialíssmo dessa arte, encontra-se aqui!

Alessandro Coimbra

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

A narrativa do acolhimento


A história da menina raptada por índios e a busca dos personagens para reavê-la oculta uma questão formal mais importante, uma complexidade que não está na história, mas encontra-se na maneira de filmar.
O começo mesmo do filme é de uma delicadeza explícita. O reencontro do "herói" com seu antigo amor, dessa feita casada com seu irmão. A tragédia iminente em que a família é destruída menos por culpa dos índios e mais pela ignorância do herói que, obcecado por seus ideais doentios, não consegue olhar pelos que lhe estão próximos.
Assim como ele perde sua mulher para o irmão, dessa vez ele irá perder todo seu vínculo de sangue, afinal, todo o grupo é dizimado, com exceção de Debbi(mais à frente Nathalie Wood, em pequena presença epifânica). E agora é o sangue que leva os próximos.
Assim John Ford inicia o filme com contornos de tragédia, de perda para sempre do herói que carrega consigo as contradições dessa civilização que, como pioneira tem seu projeto, mas que se torna cega e capenga por transformar sonho em pesadelo, ideal em desejo de exclusão, em racismo cego.

Porque, para Ford, quem conta são os simples do dia-a-dia. Ele já havia mencionado isso com tons de ironia em Fort Apache.

O tempero trágico de Rastros de Ódio, a exploração formidável dos espaços do Monument Valley, exprimem toda a densidade das situações, dos equívocos da civilização. Contudo, depois o filme importa menos isso que como filmar os personagens, os espaços, os objetos... E de certa forma, a tragédia não se esvai, mas o central acaba sendo uma narrativa clássicista das melhores e em termos de emoção, a melhor.
Ford não só acredita no que conta, mas tem imensa paixão por estar contando. Isso gera um amor de direção, uma encenação apaixonada, sempre. Então, ele não é um formalista idiota que se auto-masturba no que filma. A rigor, ele ama profundamente tudo o que está em cena, sobretudo os personagens. E é esse amor que faz mover a narrativa e não o virtuosismo ou a intriga (qual delas?). No documentário que antecede o filme Elogio ao Amor, Godard comenta, com suas palavras, que a câmera deve saber como receber o objeto.
100 anos antes, John Ford já sabia disso. Basta assistir Rastros de Ódio. Cada plano é uma meditação, não tanto sobre o "herói" amargo(como é sempre dito), mas principalmente sobre a conduta de saber acolher as coisas. Sempre do Monument Valley para a câmera, do contra-campo para o campo, do exterior para o interior,do fora para o dentro.
Não à toa o último plano do filme coloca John Wayne para fora desse espaço de aproximações (Walt Whitman no cinema), contrariando de maneira irônica toda forma de encenação do filme. O falso herói(anti-herói?) que não sabe muito bem como acolher o outro é expulso do quadro. E aceitar Debbie não o redime. Mas essa brilhante cena final torna-se emblemática de toda a obra (o acolhimento da moça que, índia ou não, só faz sentido por estar "dentro" do filme, da alma do "contador de histórias”, lembrando o Peixe\n Grande, de Tim Burton).
Esse recurso do “ponto de fuga pra dentro" faz todo o encanto da obra e torna até mesmo crítico o desfecho para o personagem de Wayne.
Rastros de Ódio é clássico, desde sempre!
Alessandro Coimbra

Sexualidade Americana


Veludo Azul é um filme a se considerar bem. Desconfio que Lynch tenha mesmo melhorado com o tempo, mas o filme apresenta momentos inequivocadamente fortes. Filme sobre as entranhas da América? Sobre o Mal que reside dentro dela? Antes de tudo, um filme sobre a sexualidade humana e sua complexidade (certas perversões que aparecem no filme são até "normais", há a curiosidade sobre o mistério, enfim, o enigma dos desejos, das paixões). O protagonista, que começa curioso e observador (indo "de fora", da natureza, para "dentro", para o interior do universo norte- americano) não chega a passar para o "outro lado", da perversão do Mal, mas chega a vivenciar os limites das paixões, da sexualidade. Já o Mal existe mesmo e penetra nas camadas dessa sociedade.
Mas, como em Murnau, Lynch complementa tudo com o "belo", a paz, o amor (amor mesmo, bem dito e não as paixões, ou seja, Laura Dern ao invés de Isabela Rossellini). Interessante que mesmo quando Lynch filma esse estado de paz, de beleza, de Bem, não deixa de haver o elemento de estranhamento, da alteridade que caminha pelo interior das coisas (não só da sexualidade). A velhina, em meio ao cenário paradisíaco desse final, observa o pássaro comer um inseto e fica um tanto perplexa vendo isso ("eu não faria isso"), ao que Laura Dern exclama," é um mundo muito estranho". Ou seja, a alteridade, às vezes interior (como no caso das paixões, da sexualidade) está sempre presente em tudo.
Nessse filme e em outros (como Twin picks), seria David Lynch também nosso Nelson Rodrigues?
Enfim, Veludo Azul, além de ser um tratado (um tanto imperfeito às vezes em sua forma de expressão um tanto óbvia, até caricata, a ver o clímax de suspense) sobre o Mal, é o mistério do mundo (a natureza, ora corrói uma orelha, se deglute, ora aparece como deslumbre do Bem), mas, principalmente,puro sexo, profundo.
Alessandro Coimbra

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Sessão Cancelada

Em virtude de uma palestra realizada no mesmo espaço e no mesmo horário, não houve sessão nesta quinta, dia 16/08.

Voltamos no dia 30/08, com o filme "Bandido da Luz Vermelha".

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

“Núcleo de Cinema Juiz de Fora Cidade Aberta”


Há quatro anos e meio funciona em Juiz de Fora, na Sala João Carriço, da FUNALFA, no Parque Halfeld, o “NÚCLEO DE CINEMA JUIZ DE FORA CIDADE ABERTA”, iniciativa do nosso associado WILLlAM SALGADO, crítico de cinema e profundo estudioso desta que é considerada a mais completa das Artes.

O “NÚCLEO” foi formado em 2002, contando, entre seus freqüentadores, com estudantes universitários, artistas, realizadores de curta-metragens, poetas, professores, profissionais liberais e aposentados, e suas sessões são abertas ao público em geral. Após a projeção dos filmes, sempre às quintas-feiras, a partir das 20 horas, são feitos debates enriquecedores abordando as obras ali apresentadas, sob a coordenação do William, privilegiando todos os aspectos que cercam o fenômeno cinematográfico.

Para realçar a importância de que se reveste o “NÚCLEO” para uma cidade carente de uma boa programação artística como Juiz de Fora, basta lembrar que ali foram apresentados, neste período de existência do grupo, cerca de 100 filmes essenciais da cinematografia mundial, dirigidos por mestres como D.W. Griffith, Buster Keaton, Charles Chaplin, Roberto Rosselini, Jean Renoir, Luchino Visconti, Fritz Lang, Jean Vigo, Robert Bresson, Jean-Luc Godard, John Cassavets, Orson Welles, Glauber Rocha, Luiz Buñuel, Dziga Vertov, Alfred Hitchcock, Françoise Truffaut, Abbas Kiarostami, F. W. Murnau, Akira Kurosawa, Douglas Sirk, Píer Paolo Pasolini, Jacques Tati, Kenji Mizoguchi, Max Ophuls, Ernst Lubitsch, Takeshi Kitano, Eic Rohmer, Roman Polanski, René Clair, Federico Fellini, Martin Scorcese, Carl T. Dryer, Howard Hawks, Billy Wilder, Woody Allen e Clint Eastwood, dentre outras dezenas de importantes realizadores. Programação semelhante, só em Cinematecas e cinemas de arte de metrópoles como Paris, Londres ou New York, o que confirma o privilégio de se contar com a atuação desse importante “NÚCLEO” em Juiz de Fora.

Nestes tempos obscuros, em que a sensibilidade e espírito crítico das pessoas vêm sendo lobotomizados pela frivolidade das mídias, sobretudo na Televisão, na Internet e no Cinema, e quando filmes descartáveis inquestionáveis como os “Homem-Aranha” da vida tomam de assalto todas as salas de cinema do mundo ocidental, iniciativas como as do “NÚCLEO DE CINEMA JUIZ DE FORA CIDADE ABERTA” só podem ser dignas de aplauso, ao caminhar altivamente na contramão dessa enxurrada de mediocridade, e servindo como instrumento de resistência cultural e repúdio ao lixo que nos é impingido pelos cartéis cinematográficos norte-americanos.

A propósito, evidenciamos que a chamada modernidade, ao tempo em que nos acena com sedutores artifícios tecnológicos, também vem impedindo o acesso às novas gerações a obras de arte esteticamente válidas, capazes de resgatar sua dignidade e valores soterrados pelo liberalismo privilegiar, também no campo do Cinema, o individualismo, a violência e a falta de ética. Assim, ao incentivar o consumismo de obras vazias, amplia-se a vertente para construção de uma sociedade ignorante e infantilizada, deixando à margem também levas de potenciais novos amantes do cinema, já que desprovidas de instrumental crítico que ampliasse sua exigência de obras que pudessem enriquecer sua visão da Arte, do mundo e do próprio homem.

Sem falar que a indústria do cinema norte-americano atual, com raras exceções, é inteiramente voltada para o “merchandising” e o lucro fácil, e vem aniquilando, nas últimas décadas, com seu poderio econômico avassalador, cinematografias internacionais de indiscutível prestígio e qualidade, como as da França, Itália, Inglaterra, Alemanha, Suécia e Japão, hoje praticamente agonizantes.

Cumpre lembrar que a denominação “NÚCLEO DE CINEMAJUIZ DE FORA CIDADE ABERTA”, é uma homenagem explícita ao cineasta Roberto Rosselini (1906-1977), figura basilar e pioneira do Neo-Realismo italiano, cujo filme “ROMA, CIDADE ABERTA”, de 1945, foi um divisar de águas para o moderno cinema mundial, embora feito com recursos financeiros limitados e contando com cenários naturais e atores não-profissionais, mas que acabaria inspirando movimentos fundamentais do cinema contemporâneo como a Nouvelle-Vague francesa e o Cinema Novo brasileiro.

Vale também destacar que hoje, países de economia periférica como o Irã, vêm demonstrando, através de obras de diretores como Abbas Kiarostami e Majid Majidi, surpreendente capacidade de criação artística, com filmes premiadíssimos nos mais importantes Festivais de Cinema do mundo, justamente por blindar o poderio do cartel hollywoodiano, interditado em seu território por razões ideológicas explícitas.

Se você ainda resiste aos chamados filmes “blockbuster” e prefere homenagear sua inteligência com obras de alto nível artístico, reiteramos o convite para freqüentar as sessões do “NÚCLEO DE CINEMA JUIZ DE FORA CIDADE ABERTA”, na Sala João Carriço, da FUNALFA.

Finalmente, ainda em defesa do cinema de alta qualidade, não custa lembrar que a Arte é a descoberta do necessário, como já afirmou o genial diretor francês Robert Bresson (1907-1999).


Nelson Bravo

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Na mídia

O portal Acessa.com fez uma matéria conosco.

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