sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Crime Contemporâneo



Crime Verdadeiro foi uma obra pouco compreendido pelo público a seu tempo, um tanto por conta de sua roupagem policial. Portanto, o indivíduo vai esperando um filme e sai frustrado com o resultado.Isso ocorre porque Crime Verdadeiro não é exatamente um filme policial, mas um drama sobre justiça e ética. Mas, mais do que isso, sobre as relações existentes entre exclusão social e exclusão existencial.
Clint faz um jornalista teimoso que não se contenta com a aparência dos fatos.Como sua vida privada é um fiasco (seu relacionamento com a esposa e filha), ele tenta compensar, preocupando-se em demasia com as questões públicas.
Por ser muito julgado em vida, ele sabe quão delicados são os juízos que fazemos das coisas. Normalmente a chamada justiça e os cidadãos não conseguem ir além das aparências e um julgamento precipitado revela uma total ignorância.
Neste filme, um cidadão é condenado à pena de morte por suposto roubo e assassinato. Clint não crê no senso comum, tem horror às unanimidades e às opiniões em massa. Seu trajeto é o de ir na contra- corrente, negando a ditadura da imagem.
Em Crime Verdadeiro, estamos diante de uma narrativa precisa, que só põe em cena o que possa ser essencial e a sugestão do mesmo, não se preocupando com o espetaculoso. Trata-se de uma aula de limpidez de linguagem. Mas não se trata de um método frio. Cabe a ele fazer do cinema a arte da indagação. Afinal, o que é uma imagem, sua real legitimidade e qual o seu poder na sociedade de massas?
Há um trabalho interessante com o emprego da cor verde, que significa sonho na cabeça da criança, filha do pai que está sendo condenado. Ela pede um lápis de cor verde para desenhar, enquanto conversa com o pai na cela. O lápis de cor havia sumido. Então, há uma elipse e vemos o verde na moldura de um quadro burguês.Ou seja, a burguesia engessou o sonho,aprisionando-o em uma moldura. O sonho das minorias é tratado com total descaso pela justiça.
Novamente veremos o verde, desta feita como iluminação na última e marcante cena final, que ainda questiona: Os sonhos para as minorias são possíveis em uma cultura displicente, coisificante e de massas? Qual seria hoje o sentido de qualquer espírito natalino, se a exclusão indiscriminada do outro faz parte dessa mecânica de produção de falsas verdades, de simulacros, que querem compensar realidades por imagens, o concreto, o fundante pelo virtual?
O diretor é muito lúcido diante de tão difícil tema e trata as cenas sem nenhum apelo retórico.Notemos até mesmo que a cena da redenção, da inocentação do criminoso não é mostrada(ocorre fora de campo após um congelamento da imagem), ou seja, os verdadeiros empenhos de justiça e os eventuais milagres são coisa rara. Mas, mais do que isso, estão fora de ângulo, não cedem à sua fiel reprodução mimética,escapando a ela. Portanto, não pertençem nem ao cinema e nem ao mundo corrido e suas técnicas de reprodução.
Tal protagonista vivido por Clint deve, então, seguir seu trajeto sem olhar pra trás, pois até mesmo para ele esses fatos podem não dizer respeito, estabelecendo uma real conexão. Assim,ele carrega consigo o peso de suas próprias contradições.
Em Crime Verdadeiro, Clint-personagem pode enxergar com clareza as contradições da justiça e até parcialmente resolvê-las, pois não pode resolver as suas próprias.Por outra,aquele que sabe bem o que o crime é, o que a injustiça, de fato, significa, está definitivamente excluído das coisas. Como na última tomada, em que vai para o “limbo”, para o extra-campo(à direita da tela),em sentido inverso ao movimento daquelas pessoas(à esquerda da tela),enquanto ao som do mais belo jazz cortante, triste e crepuscular, permanece solitária uma árvore de Natal, estática,anônima, no entre-lugar. Indagativa?
Alessandro Coimbra

Nenhum comentário: