quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Notas sobre Peixe Grande,de Tim Burton




Um ótimo artista não precisa relatar o “mundo tal como é” para ser relevante.Essa realidade que muitos procuram aparecem das maneiras mais insuspeitas.Em um sonho, por exemplo.Para Tim Burton, o cinema é um criador de mundos.Toda a realidade é filtrada pelas visões de um homem.No seu caso, de um artista.
A história de Peixe Grande pouco importa.Para esse filme, o que conta é saber reconhecer uma imagem bem concebida e pessoal.A maioria das imagens desse filme existe na cabeça dos personagens, como memória ou como visão.
Alguém parece ter ensinado a Burton que o real só passa a existir a partir de algo subjetivo, que é o olhar humano.Em Peixe Grande o olhar é tudo.Não é a fantasia que se encaixa na realidade.O mundo real é que deve apreender o olhar, porque todo real existe sob a visão.Romântico?Visionário é uma palavra que se encaixa melhor.
Nesta obra, o onírico e a realidade são interdependentes, assim como o “homem comum” precisa daquele que não o é, e vice-versa.A comunhão desenvolta de ambas as dimensões é uma das temáticas desse filme.O real precisa do imaginário.O imaginário do real. E no fim, atravessa-se as linhas e aquilo que aparecia como sendo mera quimera ou imaginação é, de fato, a instãncia mais concreta,como o ponto privilegiado dessa encruzilhada de intercâmbios, dos encontros mais insuspeitos:os tais "personagens da imaginação" comparecem ao enterro do protagonista como seres de carne e osso.Portanto, quem afinal "traiu a realidade".Nós,durante o filme todo?
Com o término da obra, ficamos com fortes imagens na cabeça.Imagens essas, produto da extrema originalidade de um diretor, que consegue ser um demiurgo,um criador de mundos, mesmo se tivesse que contar uma história convencional e sem magia. Mas essa magia está no mundo interno de cada personagem concebido como memória ou como visão projetada. Seja o estranho artista de circo, seja o gigante atrapalhado, seja a bruxa humanizada, a bela garota-bela mulher, o poeta das falcatruas e,sobretudo,as gêmeas siamesas...Todos eles,às bordas do mundo, da tela, são necessários entre si e para o protagonista, no centro das "construções", o mais comum dentre eles, conferir sentido às coisas dadas.
Sem a criação, e nesse caso ela é a conseqüência, como já foi dito, de um mundo muito pessoal e sensível, não há real que se legitime. É preciso um filme desses para embaralhar nossa visão das coisas, como esse lugar privilegiado onde os imbricamentos se rompem, o estanque se parte e encontramos,por fim, a natureza particular, por vezes híbrida e imprevista de dados da vida.
Peixe Grande é a arte que surge pelos poros da indústria sempre óbvia.É o mundo das visões como profissão de fé em irmandade com a vida. Agora, a vida só pode deixar-se contaminar pelo olhar de Tim Burton. E a indústria também.
Alessandro Coimbra

Nenhum comentário: